Wednesday, January 16, 2013

16 de janeiro de 2013



Caríssima,

Encontro-me ultimamente tão zangada que mal encontro espaço para os pequenos prazeres. É uma zanga tão antiga, que não percebo porque me acossa tão severamente. Sinto-me uma filha sem pais, uma mal amada de origem, uma ilha.
Mas porque estou eu assim? Não passaram já anos suficientes e não sou eu uma mulher feita e madura? Porquê agora?
De todas as celeumas que me assaltam o presente, porque não escolho eu uma delas para ser alvo dos meus cuidados e apreensões? Porque fui eu buscar uma coisa tão antiga para preencher os meus frágeis pensamentos.
Por vezes sinto-me a flutuar, sobrevoo a vida sem nunca lhe tocar, como se estivesse num balão quase vazio e prestes a rebentar. Rezo a uma divindade que me deixe cair e peço a outra para me deixar continuar e por vezes quero explodir com o balão, até ficar reduzida a uma partícula microscópica.
Não tenho eu pai e mãe?! Não será isso já um grande feito: não me terem abandonado numa soleira qualquer. Não será já dádiva suficiente estarem ainda vivos e me procurarem ainda que amiúde? Não tenho eu ainda tempo de estreitar os laços afetivos com eles quando estiverem dependentes de mim na velhice?
Porquê portanto esta tonta angústia de amor não cumprido!
Talvez pura e simplesmente não saiba amar. Não o soube aprender na idade certa. Naquela janela estreita de tempo em que o ser humano define o seu caracter, ainda que inconscientemente e, a partir daí, todas as tentativas foram meramente exercícios racionais infrutíferos.
As vezes pergunto-me como irei ser capaz de ser uma boa filha, dar-lhes os cuidados necessários quando cheirarem a velho e a vícios acumulados e a rezingues moribundos. Se eles mesmos não foram capazes de cuidar de um ser humano novo, pequenino e a cheirar a primavera e possibilidades. Isto tudo me apoquenta, minha amiga. E não sei se não será melhor rebentar no Verão da minha vida, enquanto o Inverno deles ainda não chegou. Explicar-lhes isto, esta dor, esta pena, este silêncio tão grande.
Despeço-me mais uma vez com lamúrias, mas é-me impossível escrever-te sem te dar conta do estado da minha alma.
Fala-me de ti na volta desta carta, dos nosso amigos, dos teus anseios.
Eternamente tua,
C.

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