Já foi tudo dito, escrito e feito. Não tenho pretensões de acrescentar nada. Não quero ser original (não acredito que tal seja possivel). No entanto, como existo, estou aqui.
Tuesday, April 06, 2010
Tenho que recordar para esquecer? É isso? Devo passar por tudo outra vez? Não me lembro muito bem como começámos, recordo melhor como nos perdemos e me desorientei, desligando-me de mim própria no caminho. É preciso usar de auto-sarcasmo. Ir mordendo o lábio inferior enquanto me confronto com a ironia disto tudo: lembrar para esquecer, remastigar para engolir e absorver para assimilar. Não seria melhor deixar a natureza cuidar e o tempo agasalhar as reminiscências? Não? Porque não? Porquanto as respostas estão sempre no fim dos labirintos. O encerramento vem sempre quando a réplica já não é vital. Entretanto, o meu lábio fica desfeito. Nada a lamentar. Não vale a pena. Não me respondes, não podes, nunca conseguiste e muito menos agora que não és mais do que um interlocutor imaginário. O que de certa forma é agradável, ouvi-te tantas vezes dizer coisas sem sentido e brutais. Conheci-te depois de ter conhecido o amor. Encontrei-o, vivi-o, desfez-se e depois, tu. Não penses que o digo com desamor, vieste depois, é um facto, mas bateste com a força de dez guerreiros e eu odiei-te com a mesma força com que…
Agora, estou sentada num bar de Alfama, num dos raros espaços em que se pode fumar. Lá fora, a chuva. Dentro da minha cabeça tenho-te entre os dentes, mordo-te no braço com a força suficiente para não te arrancar a pele mas com a violência necessária para magoar e não te deixar ir. Explico-te telepáticamente que não me posso explicar porque tenho a boca ocupada. A cabeça, dentro dela, um nó, como os ninhos de ratos em que se tranformam os cabelos que não são escovados como as crinas dos cavalos bem cuidados. Perdemos o fio à meada. Somos o romance inacabado, condenado a ser uma novela interminável, com demasiadas personagens, demasiados incestos, demasiadas mortes, demasiados episódios, sem a possibilidade de um final feliz ou com demasiados finais felizes e infelizes, confusos e cegos. Fomos sempre cegos e tolos.
Enganamo-nos sempre. Nunca te conheci, nem sequer fiz algum esforço para isso, reconheço isso. Se não tirei um momento para te tentar perceber foi porque foste sempre o lugar tido como incerto ou talvez te tenha tido como garantido. Deste-me o que quis, o envolvimento impossivel, talvez o único tipo de relação que consigo conceber.
Um dia cheguei a uma cidade e lembro-me de pensar: o buraco acaba aqui. Um lugar impreciso, uma estação de comboio, a sensação de estar a viver uma vida que não a minha, sequências novas de pensamento, o gritar das novas possibilidades, a euforia de ser livre nas opções e horas do dia. Poder ler um livro num café, sentir o momento sem pressa.
Esqueço-me frequentemente do que isso é: viver o momento. Enrolo-me numa mantinha feita de espaços vazios e tramas. Não me lembro do que gosto de fazer e por isso alheio-me de tudo. Durmo sem sono, por pura indolência, desperdiço o tempo, não sei o que fazer com ele. Não me instalo no presente, não me concilio com o passado e não sei o que fazer do futuro.
Em cada tentativa de proximidade, uma dor no peito, o amar… - Percebes? Não, não percebes nada, também de arrepias como quem pressente um fantasma, quando te é sugerido o amor. Tens tanto ou mais medo que eu. Por isso a nossa união é tão perfeita e impossível. O amor desfeito na cama por fazer é o único diálogo possível. Da minha cabeça sai agora uma grande quantidade de fumo. – É inutil.
Lembro-me das constantes dores nas pernas, tanta subida e descida ingreme. Arquitecto infáme, calçadas e escadas presunçosas da sua grandeza e dificuldade, mas tão belas. Grande para me perder em becos e ruelas, pequena, na pequenez certa para a desorientação não ser absoluta. Perdi-me tanto, reconheci tantas vezes os sítios por onde me perdi e reconheço no olhar das esquinas a estranheza de quem não acredita que seja possível uma tal falta de orientação.
Por mais vezes que faça um caminho, o circuito para casa, dias e dias, por vezes durante anos, nunca tenho a certeza. Não consigo perceber, como posso ter numa cabeça de um tamanho perfeitamente normal, o cérebro de uma galinha e a memória de um doente de Alzeimer.